“Cabo Verde é uma sociedade matriarcal, ponto, mas o machismo é tão tóxico que quem toma as decisões continuam a ser os homens” - disse Dino d’Santiago numa entrevista a revista Máxima onde, para além de outros assuntos, analisou as relações desiguais entre homens e mulheres na sociedade cabo-verdiana, de que publicamos alguns extratos.
Conheci a grande cantora Tété Alhinho em Cabo Verde, uma mulher incrível que inspirou a minha crónica na Máxima sobre as mulheres cabo-verdianas. Elas são pilares sociais em todas as culturas, mas há qualquer coisa nesta mulher de Cabo Verde que é quase simbólico do matriarcado mundial.
Vou dar-te um exemplo: a mãe da minha mãe Maria, minha avó, que eu não cheguei a conhecer, entregou a minha mãe àquela que eu chamo de avó Teresa - que me inspirou a ser Dino de Santiago - e entregou-a no leito da morte, ela estava com uma doença terminal, assim: ‘Teresa, esta é tua filha.’
A minha mãe não quis assistir ao funeral, (só soube na nossa a terapia), e a Teresa (estamos a falar numa África, como numa Europa, onde os pais eram severos, e as mães também), nunca tocou num fio de cabelo da minha mãe, mas ensinou-lhe o que considerava serem os valores da mulher cabo-verdiana.
Com o seu pano na cabeça e o seu pano de terra na cintura, a cuidarem das pessoas que mais precisam, a porta sempre aberta para receber, eu vi, essa era a minha mãe, essa mulher que, de repente, tem de lidar com um alcoólatra, num meio de pescadores. Sempre foi uma mulher muito respeitada no meu bairro.
Tivestes, ou tens, outros exemplos?
Da minha Balila, uma batucadeira que foi ficando cega, tem agora 90 anos, mas diz frases como: ‘Hoje eu vendo o medo para comprar coragem.’ É uma mulher que também me inspirou muito, transporta-me pela sua casa de uma forma que eu digo: ‘Esta mulher está a enganar-me, não pode ser cega.’ E a maneira como ela defende a mulher: ‘Se uma mulher não merece ser valorizada, então nenhum homem deve sê-lo’
A mulher cabo-verdiana aceita coisas que nós não temos a noção. Imagina, ela recebe filhos do marido de outras mães, das amantes, recebe-os em sua casa, trata como um deles. E nós pensamos: está a ser burra? Não, simplesmente ela sabe que aquela criança não tem culpa, e é irmã dos seus filhos. E há muito essa coisa, as mulheres juntam-se para cuidar de várias crianças, por isso é que tens as amas da Cova da Moura, mulheres que cuidam das crianças de todo o bairro, para que os pais possam ir trabalhar.
E depois de uma reportagem na Mensagem, edificada por uma mulher [a jornalista Catarina Carvalho], elas passaram a ter estatutos de amas, e estão há mais de 30 anos a criar as pessoas que somos. Trabalham muito mais do que os homens, trazem o peixe, trabalham no campo.
E Cabo Verde é uma sociedade matriarcal, ponto, mas o machismo é tão tóxico que quem toma as decisões continuam a ser os homens. E continuam a condicioná-las e a violá-las. Infelizmente, são coisas que continuam em silêncio, como o abuso de crianças e menores - é sombrio.
Essas mulheres sabem tudo isso e, mesmo assim, conseguem que cresçamos com amor e esperança, é surreal. A minha mãe continua a dizer que a parte favorita dela continua a ser a asa, porque ela sabe que é o que os filhos não iam querer, nem o pai.
Badia ( do álbum Badiu, 2021)
Essa Vadia é o meu reconhecimento, enquanto homem, numa sociedade extremamente machista onde a mulher tem de se superar dez vezes para conseguir um espaço de diálogo, que nem é um espaço de conquista. Então fiz uma canção como se fosse uma confissão minha, homem, trazendo todos os homens que me inspiraram, e todos os que me desinspiram, e pedir perdão a essa mulher, num lugar sagrado, que é a madre.
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